"No começo, quando o próprio começo ainda não havia começado, tudo estava contido num denso e inominável relógio que não via a hora de dizer o Tempo.
Foi então que, em certo quando, incontido como estava, vibrou, o relógio, as suas cordas com toda a força possível, querendo gritar o Tempo o mais longe quanto o som pudesse alcançar.E suas cordas vibraram.
Vibraram...
E vibraram!
Vibraram de tal maneira, que o grito que o relógio cuspiu, cuspiu-o na forma de luz! Uma luz que percorreu tudo num só instante! Um instante tão assustadoramente intenso, que perdura até hoje.Naquele momento único, e daquele único grito, todas as coisas surgiram. O céu, as estrelas, os planetas! O universo inteiro inflou como um balão soprado pelo inominável relógio, qual houvesse sido criado apenas para que o grito de luz tivesse por onde passar! Contando-se! Anunciando-se! Celebrando o Tempo que ora nascia!
O inominável relógio, contudo, porque não havia antes até que depois houvesse começado, nunca pôde saber em qual agora o Tempo, então concebido, concebera-se. E assim, o começo do começo foi perdido.Mas o eco daquele grito primordial, o grito de quando tudo veio, ainda hoje se faz ouvir. Um eco que nos chega como um chamado, que nos convida a trilhar o caminho de volta, que busca nos levar de novo em direção ao velho, denso e inominável relógio, para que, enfim, ele possa dizer a hora exata em que o Tempo foi dito pela primeira vez."
Assim começa a aventura contada em "Liah e o Relógio".Uma estória que aborda questões filosóficas existenciais, constrói-se explorando diferentes concepções de tempo (histórico, cronológico e natural), e, finalmente, lança-se nas abstrações físicas da teoria da relatividade de Einstein, numa lúdica tentativa de levar Liah a libertar-se de sua própria finitude.